sexta-feira, 18 de junho de 2010

"Não tenhamos pressa, mas não percamos tempo"


O mundo perdeu hoje (18/6/2010) um dos maiores escritores da literatura mundial. José Saramgo, com 89 anos, morreu nesta manhã, em Lanzarote (Portugal), depois de tomar seu café, ao lado de sua esposa, Pilar Del Río. Essa notícia deixou muitos entristecidos, pois seus trabalhos ou apenas algumas de suas frases movem o pensamento humano, trazem um reflexão e conseguem fazer até a pessoa mais fria se comover e pensar mais a respeito de seus sentimentos.

Eu nunca li nenhum livro dele por completo, mas sempre via e conhecia algumas frases do escritor, dramaturgo, jornalista e crânio. Também acompanhava suas declarações polêmicas, envolvendo religião, terrorismo e guerras. Saramago chegou a fazer comentários meio que 'desrespeitosos' a respeito dos judeus, sendo chamado até de antissemita.

José Saramago morou em Lisboa, quando criança, sempre gostou de estudar, mas as condições financeiras de sua família não permitiram que ele fizesse uma boa faculdade. Um de seus primeiros empregos foi de serralheiro, mas nunca deixou de ir à biblioteca ler bons livros e buscar as influências para seu primeiro romance, Terra do Pecado (1947). Ele recebeu o Prêmio Nobel de Literatura, em 1998, além de ser contemplado também com o Prêmio Camões, o mais importante prêmio literário de Portugal.

Outra polêmica foi o livro O Evangelho segundo Jesus Cristo, extremamente criticado pela igreja católica, pois mostrava Cristo como um homem comum e não como um ser divino. O editor da seção Mente Aberta da ÉPOCA, Luís Antônio Giron, escreveu uma coluna especialmente a respeito de Saramago. Ele chegou a entrevistar o escritor e disse que “ele adorava polemizar. Quase não sorria, mas a gente podia sentir o seu bom humor oculto na rabugice. Nunca me pareceu vaidoso. Orgulhoso, sim, de contrariar as expectativas. Em geral, respondia um ‘não’, a qualquer pergunta. É como se exercesse a dialética para chegar a alguma conclusão”.

Não vou listar aqui todas as suas obras, sendo que, o que realmente marca em mim sobre o escritor são suas frases, com pontuações às vezes exageradas, às vezes diretas, às vezes sem vírgulas e pontos, extremamente fora do convencional. O mesmo feito também em seus livros, com os diálogos de seus personagens. Além de romances, também escreveu contos, peças teatrais, poemas, crônicas e até um livro infantil (A Maior Flor do Mundo, lançado em 2001). Seu último livro, foi Caim, lançado em 2009.

Listei frases e poemas dele...não são as melhores, mas algumas são clássicas, outras que eu gosto, outras que descobri e com certeza ainda vou descobrir muito mais sobre ele, mesmo sabendo que não teremos mais obras desse escritor, que pode até aparentar, mas não possui uma descrição perfeita.

"Sempre chega a hora em que descobrimos que sabíamos muito mais do que antes julgávamos".

"Há esperanças que é loucura ter. Pois eu digo-te que se não fossem essas já eu teria desistido da vida".

"Nossa maior tragédia é não saber o que fazer com a vida".

"O Socialismo é um estado de espírito".

"Se tens um coração de ferro, bom proveito. O meu, fizeram-no de carne, e sangra todo dia".

"A virtude, quem o ignorará ainda, sempre encontra escolhos no duríssimo caminho da perfeição, mas o pecado e o vício são tão favorecidos da fortuna que foi ela chegar e abrirem-se-lhe as portas do elevador".

"Para temperamentos nostálgicos, em geral quebradiços, pouco flexíveis, viver sozinho é um duríssimo castigo".

"Todos sabemos que cada dia que nasce é o primeiro para uns e será o último para outros e que, para a maioria, é so um dia mais".

"Há coisas que nunca se poderão explicar por palavras".

"Há situações na vida em que já tanto nos dá perder por dez como perder por cem, o que queremos é conhecer rapidamente a última soma do desastre, para depois, se tal for possível não voltarmos a pensar mais no assunto".

Na ilha por vezes habitada

Na ilha por vezes habitada do que somos, há noites,
manhãs e madrugadas em que não precisamos de
morrer.
Então sabemos tudo do que foi e será.
O mundo aparece explicado definitivamente e entra
em nós uma grande serenidade, e dizem-se as
palavras que a significam.
Levantamos um punhado de terra e apertamo-la nas
mãos.
Com doçura.
Aí se contém toda a verdade suportável: o contorno, a
vontade e os limites.
Podemos então dizer que somos livres, com a paz e o
sorriso de quem se reconhece e viajou à roda do
mundo infatigável, porque mordeu a alma até aos
ossos dela.
Libertemos devagar a terra onde acontecem milagres
como a água, a pedra e a raiz.
Cada um de nós é por enquanto a vida.
Isso nos baste.

Poema à boca fechada

Não direi:
Que o silêncio me sufoca e amordaça.
Calado estou, calado ficarei,
Pois que a língua que falo é de outra raça.

Palavras consumidas se acumulam,
Se represam, cisterna de águas mortas,
Ácidas mágoas em limos transformadas,
Vaza de fundo em que há raízes tortas.

Não direi:
Que nem sequer o esforço de as dizer merecem,
Palavras que não digam quanto sei
Neste retiro em que me não conhecem.

Nem só lodos se arrastam, nem só lamas,
Nem só animais bóiam, mortos, medos,
Túrgidos frutos em cachos se entrelaçam
No negro poço de onde sobem dedos.

Só direi,
Crispadamente recolhido e mudo,
Que quem se cala quando me calei
Não poderá morrer sem dizer tudo.

O Sorriso

Sorriso, diz-me aqui o dicionário, é o acto de sorrir. E sorrir é rir sem fazer ruído e executando contracção muscular da boca e dos olhos.

O sorriso, meus amigos, é muito mais do que estas pobres definições, e eu pasmo ao imaginar o autor do dicionário no acto de escrever o seu verbete, assim a frio, como se nunca tivesse sorrido na vida. Por aqui se vê até que ponto o que as pessoas fazem pode diferir do que dizem. Caio em completo devaneio e ponho-me a sonhar um dicionário que desse precisamente, exactamente, o sentido das palavras e transformasse em fio-de-prumo a rede em que, na prática de todos os dias, elas nos envolvem.

Não há dois sorrisos iguais. Temos o sorriso de troça, o sorriso superior e o seu contrário humilde, o de ternura, o de cepticismo, o amargo e o irónico, o sorriso de esperança, o de condescendência, o deslumbrado, o de embaraço, e (por que não?) o de quem morre. E há muitos mais. Mas nenhum deles é o Sorriso.

O Sorriso (este, com maiúsculas) vem sempre de longe. É a manifestação de uma sabedoria profunda, não tem nada que ver com as contracções musculares e não cabe numa definição de dicionário. Principia por um leve mover de rosto, às vezes hesitante, por um frémito interior que nasce nas mais secretas camadas do ser. Se move músculos é porque não tem outra maneira de exprimir-se. Mas não terá? Não conhecemos nós sorrisos que são rápidos clarões, como esse brilho súbito e inexplicável que soltam os peixes nas águas fundas? Quando a luz do sol passa sobre os campos ao sabor do vento e da nuvem, que foi que na terra se moveu? E contudo era um sorriso.

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